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Artigos Segunda-feira, 21 de Julho de 2025, 14:06 - A | A

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Segunda-feira, 21 de Julho de 2025, 14h:06 - A | A

ELISMAR BEZERRA

Nossos velhos bancos escolares

ELISMAR BEZERRA

A individuação do indivíduo, pelo metabolismo autotélico do capital, mata o indivíduo – ao transformá-lo, de gente, em mero instrumento da produção, da valorização do capital; este que é trabalho materializado e apropriado pelos donos dos meios de produção. Reparado bem, esse indivíduo, na forma em que é incensado pelo processo do capital, é só uma alegoria; cuja materialidade, suposta, esfuma-se no próprio tédio e solidão da abstração de que é feita. Mas, “o indivíduo existe, está ali, aqui, vemo-lo, é possível tocá-lo!”, diz-nos, o que vê as coisas sem enxerga-las; este é o problema: o real das coisas está além das suas aparências, ainda que estas sejam parte do real. Sim, é possível ver sem enxergar; de modo que não existindo por si mesmo, o indivíduo só é, só está sendo, só pode falar, ser tocado, trabalhar, porque é mais que o que aparenta ser: é mais que a sua individualidade, é a manifestação econômico-social, cultural, de um Nós histórico. O indivíduo, mano, sua essência, é nóis!

O suprassumo desse processo, exibido publicamente para a inveja e modelo das massas humanas, especialmente para os que vivem da venda da sua capacidade de trabalho, é o empresário rico, o capitalista; que é mostrado como a confirmação do que pode ser o indivíduo em si, revestido de qualidades superiores, que o diferenciaria dos demais, comuns: os que não sabem poupar, acumular, enriquecer. Visto ou imaginado lá, fechado hermeticamente no aconchego do escritório reluzente, a decidir e dar ordens e orientações ao mundo por seus prepostos, ele aparenta ser uma força titânica, que se basta, que se fortifica a si mesma pela riqueza que tem, independente e superior às fragilidades e carências dos que vivem para trabalhar. Lembra um general, que, após a vitória na guerra em que não sofreu um arranhão, é aplaudido pelas massas por onde passa, como herói corajoso e competente; quando só a viúva, os órfãos, a mãe e a moça que ficou por casar, choram o soldado morto, putrefato no campo de batalha, sem nome...

O indivíduo é a aparência – a aparência engana, “aos que odeiam e aos que amam”, diz a canção. É na aparência incensada que vige a ignorância, alimentada diuturnamente para ali permanecer satisfeita, sem o desconforto da labuta rigorosa para ir à essência, ao conhecimento; daí ser mostrada com festejos às massas, para que estas não sintam a necessidade de se elevarem acima do rés do chão para verem as lindezas do horizonte sem fim! A ignorância das massas é a finalidade realizada do esforço da inteligência a serviço dos poderosos, que mandam e vivem da obediência que esse mandonismo produz; pois, quem manda não quer que o outro conheça, quer obediência, concordâncias. O Nazareno veio pra mandar? Não! Deu-se, o tempo todo, a ensinar, dizer-desvelando as coisas, como se aconselhasse: Amai a Deus sobre todas as coisas e, assim, uns aos outros, como a ti mesmo...

Ah, a Filosofia, especialmente a da Práxis, essa coisa lindamente louca, absolutamente necessária, rigorosa e intransigente em seu ser, vigendo para o deslindar e revolucionamento da Vida...

A totalidade que vês, pensada por suas minudencias, é maior que o que vês; daí que a palavra dita para expressar o conhecido, é somente a parte-essencial do pensado, que demorou muito tempo na preparação para poder ser dito. Assim, esse dizer não é falaz: a sua substância está na história de tempos e gentes e lugares, terrenais e celestiais, e dele, outra verdade se formará. Uma palavra nunca dirá tudo o que há por dizer, ainda que pareça dizer tudo; sim, é na totalidade da conversa e, às vezes, do viver inteiro do outro, que se pode entender uma palavra sua, aquele seu dizer. É trabalhoso ser assim, mas, não fosse pra ser assim, seria coisa: gente não! Então, nos dizeres do Nazareno, amar é verbo que se conjuga entre gentes, com gestos e modos de ser, para o fazer feliz de todos; de jeito que as coisas, as riquezas todas, porque feitas pela maioria dos braços e mentes, devem ser para a segurança e o conforto do amar de todos: é que saco vazio não para de pé. Então, o individualismo perverso, não a negação dos Mandamentos, não?

Na Margem Esquerda do Araguaia, nos anos de 1970, o Grupo Escolar em que estudávamos tinha umas quatro ou cinco salas de aula; no fundo de cada sala havia um filtro de barro – daqueles cilíndricos, vermelhos, sobre uma mesinha, com um caneco de alumínio ao pé, para alunos e professora tomarmos água. Nenhum aluno levantava do banco pra tomar a água, sem a autorização da Professora: “Licença, Professora, posso tomar água?” Ia um por vez, e se um se levantava pra ir, o outro esperava: menino tinha disciplina, respeito e admiração pela professora. Não havia carteira, tipo universitário, individualizada: essas vieram com a Ditadura Militar, para desajuntar a gente; havia os bancos escolares, de madeira: um banco para duas pessoas, com a mesa acoplada para o descanso e apoio dos braços e dos cadernos, para a escrita e leitura; embaixo da mesa havia um vão para guardar livros, cadernos, régua, a caixa de lápis-de-cor e o que não estivesse sendo usado. Cada banco uma dupla: no mesmo banco, senta-se com amigos...

Aquele sentar juntos, no momento de prova, punha à prova a construção ética que se fazia na Escola e em casa: sob o olhar de autoridade da Professora, cada um respondia as questões da sua prova sem olhar a do colega; porque a vergonha de ser flagrado tentando colar, impedia-nos de pensar em cometer essa fraude. Nos dias normais de aula, um “tomava” a tabuado do outro, perguntando: “5 X 8?”, 7 X 4?, 9 + 8?, 4 – 3?”; em frente ao “quadro-negro”, a dupla seguia com essas perguntas, sendo que, o que errasse a resposta, podia ser “castigado” com um bolo de palmatória aplicado pelo colega que perguntava, vice versa. Eram outros tempos. Não me lembro de alguém ter ficado inimigo do outro por conta daquilo; nem de pais que tivessem reclamado à direção da Escola. Era outra, a Pedagogia, porque era outra, a sociedade: melhor, pior? Sim e não. Multiétnica, aquela Escola, pois, dos colegas de banco escolar que tive, um foi o Texibré – sim, um indígena do Povo Carajá, e ele não era o único ali; que reencontrei anos atrás, já com os cabelos embranquecendo, num dia em que estive lá, muitos anos depois, para rever pai e mãe e todos os irmãos, ainda vivos. Viu-me, reconheceu-me, e veio alegre conversar: amigos não se esquecem!

O “Grupo Velho”, como chamávamos, já não existe mais: por essas atitudes estranhas de governantes, deletérias, foi dado, vendido, não sei; de modo que, agora, descaracterizado por demolições em sua maior parte, de nem lembrar o que fora, é lugar de comércio. Mas, da rua, vi o antigo pé de Taturubá ou Mirindiba, não lembro mais: pareceu-me o mesmo, ainda de pé, maior, lá no grande pátio do recreio e dos jogos de futebol. Também não existe mais, em frente, perto da barranca do rio, a igrejinha católica, pequena, bonita e terna: a cara do lugar; essa, antes do Grupo Velho foi demolida – é a única reprovação ao nosso querido Casaldáliga: ter permitido que a demolissem, para construir outra, do outro lado da cidade, longe do rio e da história do lugar.

As carteiras universitárias separaram as crianças e adultos em individualidades egoísticas, competitivas, ariscas, desamorosas, cada vez mais ensimesmadas. Mais que móveis novos, modernos, foram instituídas como instrumento educacional-escolar de individuação do indivíduo, para dar ao ambiente escolar a cara da sociedade do comércio – cuja ética é o lucro. O lucro para o enriquecimento de poucos, exige pressa, a ordem cumprida, a coisa feita; e a coisa a ser feita, é que orienta o ser da gente no seu fazimento: esse lucro se faz com gente coisificada. O Sertão nunca teve pressa para ser o que era: bastava ser daquele jeito. Fazendeiro velho daquele tempo perdeu tudo: “ah, não sabia fazer negócio!”, disseram. Pouco caso se fez de a venda do Vasconcellos ter fechado as portas: “ah, mas com aquele mercadão ali perto, onde tem de tudo...”

O desespero pelo lucro egoístico tem matado, à unha, aos poucos, o Sertão, impiedosamente; botando sempre mais barulhos e cores e sabores e desejos nas bocas e ouvidos e mente das pessoas, para o esquecerem ou não quererem saber o que fora. “Mas, o que mais se perde com o fim do Sertão? Gente, o Sertão era um modo de ser e viver; nera atraso de ignorante, não” – diz-nos, reclamando, o velho Antão, a arrastar suas precatas de couro cru, no caminhar lento e cansado, inconformado com o que vê...

(*) ELISMAR BEZERRA DE ARRUDA é professor doutor das redes municipal de Cuiabá e da estadual de Mato Grosso. Foi presidente fundador do Sintep e Secretário de Cultura de Mato Grosso.

 

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