Um grande artista nos encanta com as suas obras; um artista genial modifica nossa visão do mundo, das coisas, das pessoas, dos lugares.
Assim, a genialidade de um artista consiste em nos fazer ver, ouvir, sentir algo que sempre esteve presente, mas invisível aos insensíveis. A imortalidade da criação artistica é menos invenção do que revelação. Tendo como matéria-prima o simples, o comum, o cotidiano, são capazes de gerar beleza, provocar surpresa, emocionar e impactar com harmonia e leveza. Assim é um verso de Cora Coralina ou de Manuel de Barros, uma tela de Portinari ou uma música de Milton Nascimento. Assim também são as fotos de Sebastião Salgado.
Sempre fui fascinado por fotografia. Sou também apaixonado pelo bom cinema, é verdade; mas pela fotografia meu sentimento é diferente, mais profundo e duradouro. Fico maravilhado com a capacidade de uma imagem capturar um momento, revelar um detalhe e transmitir uma mensagem. E, claro, sempre tive Sebastião Salgado como mestre e referência.
Minha admiração por Salgado transcende a técnica impecável de suas fotografias em preto e branco, sem abusar de filtros ou truques tecnológicos. O que mais me toca é a sua capacidade de desvendar a essência da condição humana. Suas lentes não registravam apenas cenas; elas documentavam almas. Mais que um fotógrafo, ele foi um intérprete da realidade, um cronista visual das dores e esperanças do planeta, que fez com que muitos descobrissem a dignidade dos invisíveis e a beleza dos esquecidos.
Em "Êxodos", percebemos o drama dos deslocamentos forçados, das migrações e dos refugiados, muito além de estatísticas ou relatos distantes, mas como convidados e testemunhas de jornadas individuais e familiares de dor, esperança e resistência. A beleza de suas imagens na obra-prima "Trabalhadores", mostrando a força e a exaustão dos corpos que sustentam a economia, nos convida a uma reflexão sobre a dignidade do trabalho humano, mesmo nas condições mais penosas.
O olhar de Salgado sobre o meio ambiente era igualmente profundo. Em "Gênesis", fruto de oito anos e incontáveis viagens, ele nos transportou para desertos, geleiras, tribos e animais selvagens, com imagens que encantaram o mundo e alertaram para a urgência de preservar os ecossistemas. Já em "Amazônia", um mergulho intenso na floresta e nas culturas indígenas, ele nos revelou a grandiosidade e a beleza de uma Amazônia viva, pulsante, ameaçada, de forma tão sensível e convincente que a obra se tornou um verdadeiro manifesto pela sua proteção. Ao fotografar tribos indígenas, não as reduziu a meros objetos de estudo, mas nos apresentou a um modo de vida ancestral, pleno de sabedoria e harmonia com a natureza.
A importância de Salgado para o Brasil e para o mundo é imensurável. Suas imagens de Serra Pelada, por exemplo, não são apenas o registro de um garimpo, mas um retrato atemporal da loucura e da esperança que impulsionam o ser humano. Elas foram publicadas nos mais influentes jornais internacionais, chocando e informando o mundo sobre realidades que muitos desconheciam ou preferiam ignorar. Foi essa sensibilidade e coragem que lhe rendeu o merecido reconhecimento internacional, com prêmios e homenagens que celebram não apenas um artista, mas um humanista.
Sebastião Salgado usou suas lentes como poderosas ferramentas de conscientização, para nos informar, provocar questionamentos e, principalmente, ter empatia e compaixão. A cada imagem, ele nos faz lembrar que somos parte de um todo, de uma única humanidade, e que a beleza, a dor e a esperança existem em cada canto da Terra.
Aos 81 anos, em maio, o gigante da fotografia brasileira nos deixou, mas sua obra de imagens potentes e humanistas é imortal, desafiando o tempo e a indiferença. A genialidade de seu olhar continuará a nos fazer entender melhor a beleza e a fragilidade de nosso planeta.
(*) LUIZ HENRIQUE LIMA é professor e conselheiro independente certificado.
Os artigos assinados são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do site de notícias www.hnt.com.br
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